Às vezes, a gente se desconhece, a gente se estranha. E nessas horas precisamos de coragem. A palavra de ordem é: reinventar-se! Não se permitir estagnar.
E, às vezes, a gente se desconhece, a gente se estranha. Há tanto dos outros e do todo que nos cerca impregnado em nossas entranhas que a face que se reflete no espelho não comporta nossa essência.
É como se nos perdêssemos de nós mesmos na estrada da vida, como a personagem dos contos infantis, que se encanta com paisagens e cenários no decorrer do percurso que outrora pensou ser seguro.
Os dias passam, as semanas se reiniciam, os meses são virados nas folhas do calendário, e os sonhos guardamos, deixamo-los trancados no fundo de velhos armários, entre objetos empoeirados que nos lembram quem um dia fomos, o que fazia brotar em nós sorrisos espontâneos, o que despertava em nós diferentes frios e chuvas de borboletas no estômago.
Vamos percebendo que o nosso interior está em descompasso, como se os ritmos não combinassem entre si. A trilha sonora que nos move parece um disco de vinil antigo, arranhado, a coreografia não foi ensaiada e a melodia entoada por Cazuza nos serve perfeitamente como luva:
Mas ficou tudo fora do lugar, café sem açúcar, dança sem par. Parece que a gente vai vivendo meio sem vida, em meia-fase, em banho-maria.
Sentimo-nos desenergizados, como aqueles poemas mal redigidos, deixados pela metade por falta de sentimento. A felicidade plena passa a ser utópica. Agimos mecanicamente, no máximo, permitimo-nos devolver sorrisos e generosidades. Somos a exemplificação da “produção improdutiva”. O coração bate mais fraco e o vermelho intenso, sangue vivo, descolore, como os muros cinza das grandes metrópoles de concreto.
Não conseguimos desatar os nós que a gente mesmo fez, aleatoriamente, distraidamente, por não sabermos como foram feitos enquanto estávamos no automático.
As entrelinhas da canção de Lulu Santos nos descrevem: “A gente não se reconhece ali. No oposto de um déjà vu. Sei lá, tem tanta coisa que a gente não diz. E se pergunta se anda feliz, com o rumo que a vida tomou. No trabalho e no amor. Se a gente é dono do próprio nariz, ou o espelho é que se transformou. A gente não se reconhece ali. No oposto de um vis a vis. Por isso, eu quero mais. Não dá para ser depois.”
E nessas horas precisamos de coragem. A palavra de ordem é: reinventar-se! Não se permitir estagnar, como se fôssemos aquele amontoado de milhares de toneladas distribuídas no formato de um navio encalhado nos portos da vida. É necessário abrir janelas, portas e porteiras. Abrir-se como a flor da primavera, por completo, escancaradamente, sem pudor algum. Embretar-se por locais desconhecidos, sentir o cheiro da terra, andar em estradas com o vento soprando no rosto num dia ensolarado, como se o Sol nos acordasse.
Afinal, o receio de se redescobrir, de se reinventar, jamais pode ser maior que o prazer de cumprir com sucesso a nossa jornada do autoconhecimento.
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