Trabalho em um local turístico e, por vezes, acabo por fazer a recepção dos grupos que chegam.
Uma das coisas rotineiras desta atividade é falar bom dia ou boa tarde, aguardar a resposta do público e perguntar de que cidade/estado vieram.
Por ser um local amplo e receber, no mínimo, umas 100 pessoas de cada vez, o uso de microfone é frequente.
E num dia desses, no meio “do povo”, ouço a voz de criança, só uma, em meio a tantos adultos. Olho de longe, cabelos loiros, longos, cacheados. Então eu pergunto: “De onde essa princesa veio?!”
Eis que a resposta me vem: “É um menino, o Gabriel! Tem cabelos longos porque quer ser surfista, moramos no litoral.”
E nessa hora, não há muito o que fazer, afinal, confundir, por si só, já seria feio; fazer isso com microfone na mão, pior ainda!
Já estava feito, então, humildemente pedi desculpas, e ainda brinquei:
Desculpe é que de longe já não vejo direito, e sabe, quando eu era criança tinha o cabelo igual ao seu, por isso confundi, queria o cabelo assim ainda, vamos fazer uma troca?
Afinal, nessas horas ou você se desculpa e ri de si mesmo ou a situação só piora.
A mãe que estava junto dele, olhou-me com um sorriso, como quem diz: “ Tudo bem, gafe perdoada”.
Mas desde aquele dia o Gabriel não saiu da minha mente. Há uma frase que diz que vemos as coisas como somos. E eu concordo com ela.
Então, eu me dei conta de quantas vezes olhamos rapidamente para algo, alguém ou mesmo uma situação e tiramos uma conclusão rápida, sem prestar a devida atenção?
Quantas vezes associamos o que vemos ao que temos por padrão – padrão de isso é menino, isso é menina, isso é casamento, isso é ser solteiro, isso… – e aí não enxergamos aquilo que realmente é?
Quantas vezes “nosso óculos” cultural, histórico ao invés de nos permitir enxergar mais longe nos faz ver as coisas de forma distorcida?
Quantos “Gabrieis” já não cruzaram nosso caminho?
Quantas vezes falamos algo no ímpeto e depois percebemos que “opa, não era bem assim”?
De cabelo curto ou comprido e independente do que meu olhar rápido viu naquele dia antes de ser corrigido, o Gabriel é o Gabriel.
O Gabriel que no auge dos seus 4 aninhos talvez nem lembre mais de mim… e, se lembrar, na fase adulta, quem sabe dirá: “A moça que achou que eu era menina, ensinou-me…
Ensinou-me a ver as coisas com um pouco mais de calma, a me aproximar, a ter cuidado ao ver e, principalmente, ao falar, ensinou-me que as coisas podem não ser exatamente aquilo que pensamos que é, e que se a situação não é exatamente como temos por certo. Ainda assim, ela não deixa de ser o que é, e não necessariamente será errada.
Lembrou-me de como é importante ver além daquilo que parece, e, também, mostrou-me que tudo bem errar às vezes, desde que você seja humilde para reconhecer, pedir desculpas e rir de seus próprios erros, afinal, por vezes, são eles nossos maiores mestres. ”
O Gabriel, um garoto lindo de cabelos compridos, um verdadeiro anjo disfarçado, que me ensinou, na prática, sem nada me falar, o que eu tanto sei na teoria.