Tempo de mudar. Mesmo que doa. Mesmo que dê medo. Mesmo que nos tire o chão.
Se tem uma coisa que estou aprendendo ao longo dos últimos anos, com cada vez mais intensidade, é esta: mudar incomoda. Somos seres acostumados às constâncias da vida, às sensações confortáveis de segurança e controle, à previsibilidade de tudo aquilo que nos mantém com os pés firmes no chão e que nos dá uma visão clara da evolução dos acontecimentos.
O desconhecido ainda nos assusta, sim, por mais que muitos de nós nos aventuremos pelo mundo em busca de novos desafios. Dá medo arriscar. Dá medo lançar-se ao novo. Principalmente quando o futuro, mesmo que planejado, racionalizado ou transformado em uma meta muito clara, específica e mensurável, ainda se apresente como uma verdadeira incógnita, um pontinho de interrogação que a gente simplesmente não pode controlar.
Sim. Há situações que não estão sob o nosso controle. Que independem da nossa vontade. Que, por mais que a gente queira e faça e lute, continuará sendo exatamente como são, porque não nos cabe mudá-las, entende?
Paralelamente, há uma infinidade de mudanças internas que precisamos e devemos fazer para que sejamos, efetivamente, a mudança que a gente quer ver no mundo.
É aquela velha história: ninguém muda ninguém, a não ser a si mesmo. Mas, se essa mudança for para o bem, em algum momento, em algum lugar, de alguma maneira, ela pode ser capaz de influenciar uma série de outras mudanças internas e externas nas pessoas e no mundo.
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Não por pressão, coerção, obrigação ou necessidade de controle, mas, pura e simplesmente, porque a mudança é uma constante. Só ela é permanente. E, por ser permanente, está intrinsecamente conectada ao verdadeiro amor.
Sim. A gente só muda de verdade quando essa mudança é feita por amor. Nenhuma mudança real se sustenta no medo, no ódio, na mentira, na falsidade, na inveja, no ciúme ou no desejo de posse e de controle.
A gente muda porque, como bem disse Fernando Pessoa:
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.
A gente muda porque é imperativo mudar. Porque é na mudança que evoluímos e nos desacorrentamos de tudo o que vem nos prendendo à margem de nós mesmos, de tudo o que vem nos empacando e nos limitando na vida, de todos os nossos pesares que, tantas e tantas vezes, nos impedem de dar o passo, mesmo que a gente saiba, lá no fundo, que o Universo é sábio demais em todas as suas leis: se nos faltar o chão, ele nos dará asas.
A gente muda porque é na mudança que a gente se reconstrói. É na mudança que dá pra praticar o destralhe, catar os caquinhos do chão, reorganizar as gavetas, levantar os tapetes, lavar as cortinas, deixar sacudir a poeira, tirar todas as nossas certezas de lugar…
A gente muda e incomoda muita gente, sim. Porque mudar incomoda. E incomoda porque as pessoas depositam em nós dezenas e dezenas de expectativas sobre quem somos, o que fazemos, como reagimos às situações. E quando agimos de forma diferente daquela idealização, é como se o castelinho de areia – construído ao redor de uma imagem que criaram sobre nós – se dissolvesse com o bater de uma onda não programada, não previsível, que não pôde ser controlada. Ela simplesmente chegou e… Pá. Castelinho no chão. “Não estou te reconhecendo mais”.
Não estou te reconhecendo mais.
Quantas e quantas vezes, principalmente ao longo dos últimos anos, não ouvi frases do tipo: “Você mudou muito”, “Não estou te reconhecendo mais”, “O que fizeram com aquela pessoa que eu conhecia”?
Simples. Não fui eu, foi você.
Foi você quem criou expectativas a meu respeito. Foi você quem me rotulou dessa ou daquela forma. Foi você quem me idealizou dessa ou daquela maneira, acreditando que eu fosse, fizesse ou sentisse aquilo que você achava que eu deveria ser, fazer e sentir.
Mas nós não somos uma projeção. Nós não somos nem aquilo que nos aconteceu, entende?
Nós somos – todos nós – aquilo que nós fazemos com tudo o que nos aconteceu.
Pode ser quem você decepcione alguém com a sua mudança. E pode ser que se sinta decepcionado também. Mais uma vez: somos seres humanos, compulsivos por controle, viciados em idealizações, especialistas na criação de expectativas.
Mas a decepção do outro não é um problema nosso. Nem a nossa mudança é uma obrigação do outro. Você mudou, tudo bem. Mas, se o outro não quer mudar, está tudo bem também.
Encontrar essa linha tênue entre a nossa mudança, o respeito e a empatia talvez seja a tarefa mais difícil nesse processo todo. Mas, quer saber? Por mais difícil que seja, vale a pena tentar.
O que não dá, de jeito nenhum, é para levar uma vida mais ou menos, amar mais ou menos, ser sincero e verdadeiro mais ou menos, dar o passo mais ou menos, tentar mais ou menos.
É tempo da travessia, lembra?
Tempo de mudar. Mesmo que doa. Mesmo que dê medo. Mesmo que nos tire o chão.
“É tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.
– Não estou te reconhecendo mais.
– Que bom!
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