Imagine a seguinte cena: seu filho aproxima-se de você e pergunta:
– Pai, existe uma chave que abre todas as portas?
O que você responderia para ele?
Difícil, muito difícil, correto? Por que as crianças fazem esse tipo de questionamento? Bom, mesmo que seja uma tarefa difícil, não podemos deixar nossos filhos sem respostas, ainda que saibamos que a vida fará a eles outras perguntas.
Para tentar responder, todavia, tenho de voltar no tempo, mais precisamente há cerca de 17 anos, quando eu começava a advogar. Idealismo pulsando nas veias, Constituição Federal como guia e uma vontade louca de mudar o mundo. Bons tempos!…
Ganhamos nossa primeira causa. Quase não dava para conter a emoção. Nossa cliente, que acompanhava o processo tão bem quanto nós, não parava de ligar, para saber quando ela iria poder receber seu dinheiro. Corri para o Fórum Lafaiete, em Belo Horizonte, dirigindo-me para uma das varas cíveis.
Assim que cheguei ao balcão, deparei-me com uma situação bem tensa. Cerca de 6 ou 7 advogados discutiam fortemente com um senhor, que depois descobri ser o Escrivão (funcionário responsável) da Vara. Todos os colegas pareciam reclamar da mesma coisa: emissão de alvarás para levantamento de quantias para seus clientes.
O clima era quase de uma guerra. Se não houvesse um balcão separando os advogados do escrivão, certamente haveria um confronto físico. Percebendo que a situação não se resolveria facilmente, sentei-me em uma cadeira que ficava bem no canto da parede, perto da porta, e fiquei observando o imbróglio.
De repente, uma cena inusitada começou a se desenhar. Entrou pela porta da secretaria uma advogada não somente muito bonita como, também, muito bem vestida. Perfume de qualidade exalando por todos os poros, seus cabelos pareciam ser sustentados por dois pequenos ventiladores portáteis, que os faziam esvoaçar. Parecia que ela caminhava em câmera lenta, com um fundo musical…
Todos, literalmente, todos, perceberam a sua entrada triunfal. Principalmente o ilustre escrivão, que por motivo de respeito à sua privacidade, não direi dizer o nome. Vamos chamá-lo de Dr. Fulano, combinado?
Ao ver aquele belo espécime feminino esbanjando seus dotes, digamos, não espirituais, Dr. Fulano entrou em uma espécie de estado catatônico, um tipo de esquizofrenia caracterizada por períodos de passividade, alternados com momentos de excitação extrema. Talvez algum líquido possa ter corrido pelas laterais de seus lábios, mas essa parte não ficou muito clara.
Dra. Tércia (nome igualmente fictício, usado para proteger a pessoa e impedir processos contra a minha pessoa), a advogada nota 1000, flutuou por entre os demais presentes na sala e, abrindo um largo sorriso, dirigido ao Dr. Fulano, perguntou:
– Meu alvará está pronto, Fulano? (sem o Doutor).
Naquele momento, já em estado de completo êxtase, Dr. Fulano disse, mal conseguindo organizar suas palavras:
– Claro Dra. São os autos do processo 0024.01.XXX.XXX-X ?
– Uauuuu, que memória fantástica você tem, Fulano! – disse a jovem advogada.
– Que é isso, Dra. Estou aqui para isso…
Nos segundos que se passaram, o Dr. Fulano foi até a sala do juiz (que nem estava lá), voltou com uma pasta de processo, com um alvará na capa. Quase que hipnotizado, Dr. Fulano entregou o documento à jovem.
– Onde tenho de assinar, Fulano?
– Desculpe, Dra., assine aqui. – Disse Fulano um pouco embaraçado por entregar um documento de valor, sem registrar no livro de protocolos.
– Que nada, Fulano, com uma memória igual à sua, você têm até créditos para esquecer uma coisinha ou outra.
Ele sorriu, parecendo estar mais envergonhado de ter demonstrado falhas na sua “memória perfeita” para a mulher do que de ter errado ao entregar para alguém um documento de valor, sem o devido registro.
Pegando o alvará, a jovem advogada saiu da secretaria da Vara exatamente da forma como havia entrado: flutuando! Deixando atrás de si apenas o rastro do perfume que insistia em exalar.
Chamado à realidade, Dr. Fulano voltou a discutir e altercar com os advogados que ainda aguardavam, perplexos pelo favoritismo, os alvarás de seus clientes. Um a um, foram saindo, esbravejando, provavelmente com destino à Corregedoria. Mas eu continuei sentado lá…
Meio atônito, na verdade, ainda eufórico pela recente experiência sensorial com a bela mulher esvoaçante, Dr. Fulano ainda permaneceu alguns segundos em silêncio, até perceber que um advogado (no caso, eu) ainda aguardava para ser atendido, estranhamente sentado e ligeiramente sorridente.
Ele foi direto ao assunto:
– Se for alvará, já vou avisar que tem mais de mil pastas lá atrás para organizar e que somente na semana que vem vou poder tentar localizar.
Levantei, ampliei meu sorriso, inserindo nele um pouco de ironia e disse:
– Confio na sua memória, Fulano! E pisquei o olho de forma sarcástica, fazendo simbólica referência ao atendimento da bela mulher.
Ele, então, não se conteve e soltou uma enorme gargalhada. Aproveitei o momento de sua descontração e disse:
– Minha cliente precisa muito deste dinheiro (e eu também!). Ela tem um filho pequeno, que terá de sair da escola particular e ir para a rede pública, se eu não levar este alvará hoje. Sei que você está sozinho, apertado e que tem milhares de coisas para fazer.
– Todos os seus colegas que estavam aqui tinham motivos para levarem os alvarás. Talvez alguns até mais importantes do que os da sua cliente.
Neste momento, levantei-me da cadeira, olhei-o dentro do olhos, e disse:
– POR FAVOR.
Agora, posso responder a meu filho que existe, SIM, uma chave que abre todas as portas. Esta chave nasce da união de QUATRO PALAVRAS, que são muito pouco usadas pelas pessoas, que estão muito mais preocupadas em gritar e brigar do que de conversarem civilizadamente sobre qualquer tema.
Muitos colegas advogados vão discordar da forma como eu lidei com o problema acima. O correto seria que o funcionário fosse punido pelo seu nítido favoritismo. Na verdade, eu concordo com essa posição, também. Naquele momento, todavia, pareceu-me mais acertado apenas ser cordial e colocar-me no lugar do Dr. Fulano.
De fato, ele tinha milhares de processos e alvarás para organizar. Ele pode ter errado em favorecer uma profissional pelos motivos errados. Mas, afinal, quem nunca fez isso de uma forma ou outra? E se ela tinha conseguido seu intento não por ser bonita, mas por ter sido, como eu, simplesmente educada?
No caso acima, MEU FILHO, você aprendeu DUAS das QUATRO PALAVRAS que ABREM TODAS AS PORTAS do mundo. Espero que entenda que a vida é feita de ações e reações. Você pode lutar por seus direitos, e pelos direitos de seus clientes (caso um dia você me abençoe seguindo minha sagrada profissão de advogado) sem precisar de magoar as pessoas. Ou gritar com elas.
Use sempre, meu filho, estas duas palavras quando for se relacionar com seus semelhantes:
POR FAVOR.
– Ok, pai, entendi. Mas você disse que a chave que abre todas as portas é formada por quatro palavras. POR FAVOR são apenas DUAS. Quais são as outras duas palavras que faltam para abrir todas as portas do mundo?
– Bom, filho, você somente tem 12 anos. Acho que será muito interessante você descobrir isso sozinho, senão que graça terá?
– Concordo, Pai. Mesmo assim, adorei aprender esta lição. Sempre ouvi você usar essas duas palavras, POR FAVOR, o tempo todo. As pessoas gostam de ser bem tratadas, de que você mostre que elas são importantes para você.
– Que bom, filho, que você gostou da lição!
– MUITO OBRIGADO, Pai, por mais este ensinamento.
– Por nada filho. Agora, você tem a chave completa. Você a conheceu com 12 anos de idade. Eu levei mais de quatro décadas para aprender. Seja feliz, meu filho!
– Mas, Pai, e as outras duas palavras? Ainda não sei quais são. Como a chave pode estar completa?
– Você sabe, sim, meu filho. Você sabe!
MUITO OBRIGADO, SENHOR MEU DEUS!…
Por tudo…
__________
Direitos autorais da imagem de capa: ratikova / 123RF Imagens