Como assim? Onde foi que eu assinei permitindo que ele se tornasse adulto do dia para a noite sem que eu sequer percebesse?
Eu tinha um bebê, e em “fração de segundos” ele cresceu e ontem teve a audácia de fazer a inscrição para o vestibular sozinho! Não me pediu ajuda, nem me contou…
Como assim? Onde foi que eu assinei permitindo que ele se tornasse adulto do dia para a noite sem que eu sequer percebesse? Tá, ok.
Ele foi crescendo aos poucos, talvez quando começou a brincar com os amigos do condomínio, talvez quando não quis mais ir à casa da avó ou sair conosco para jantar mas a inscrição para o vestibular foi uma afronta! É a vida dele.
Como assim eu não faço mais parte?
Síndrome do Ninho Vazio?
A situação aqui deveria se chamar Síndrome do Buraco Negro Vazio! O que eu vou fazer do resto da minha vida?
É, dessa vida que a quase duas décadas foi preenchida por fraldas e horários da rotina a cumprir. Depois vieram as papinhas, a escolinha, as lições de casa, o leva e traz das aulas, a novela da adolescência, a bagunça….uma presença “preenchedora” que, do nada, achou que poderia desaparecer assim, ir embora para qualquer campus universitário sem sequer me pedir.
Não vou mais andar de pijama no carro para levar pra escola? Ou trazer da festa? Nenhuma reunião mais? De pais e mestres, nunca mais? Me entediar nas discussões de formatura para saber qual roupa que meninos e meninas deverão usar? Nunca mais? É isso mesmo? Brincou…
Por que eu não escuto mais 800 vezes “mãe” aqui dentro de casa? E posso tomar banho sem ser incomodada? E não ouço mais o barulho da bola de basquete ameaçando os cristais? Nem o violão desafinado? Nenhum amiguinho vem brincar aqui em casa? Nunca mais?
E não adianta virem com os chavões: filhos a gente cria para o mundo. Eles devem voar sozinhos. Melhor assim do que se dependessem dos pais a vida toda. Tudo da boca para fora.
Que fossem se danar os chavões e o mundo. Eu quero meu bebê de volta! Deixem-me surtar em paz!
Eu quero bancar a mãe louca, chorar, fazer drama e me jogar na frente do carro. Fazer cena no estilo Adriana Calcanhoto, “eu quero quebrar essas xícaras, e já arranhei os seus discos…que é para ver se você volta.”. Só quero o riso frouxo, a piada fora de hora, o olhar de espanto. Só quero responder os “porquês” da vida. E assistir os desenhos animados, decorar os feitiços do Harry Potter, tentar me entender com o X e a bolinha do Playstation.
Danem-se os discursos de que tenho que me ocupar, preencher meu dia, minha vida. Não tem nada a ver com preencher o vazio das horas porque criatividade e vontade de fazer coisas que sempre quis e não tinha tempo, acredite, não falta. É preencher o vazio que fica no coração. É saber que não faço mais falta. Não sirvo para mais nada, isso que está acabando comigo.
Tem comida pelo ifood, carona pelo Uber, até conselho tem de graça na internet.
Neste momento eu quero meu filho de volta, quero ele aqui. Não quero olhar para minha agenda sem levar e buscar do colégio nem tampouco para o quarto dele arrumado. Não quero a espera pelo fim de semana nem me tornar a louca do Whatsapo em busca de notícias. Aliás, não sei como a minha mãe viveu nos meus tempos de faculdade quando só existiam os orelhões.
Calma, respira, vai passar, eu vou sobreviver…eu e minha vontade louca de me mudar junto com ele sob qualquer desculpa esfarrapada vamos sobreviver. Eu e meu desejo de boicotar as coisas e fazer com que ele faça faculdade aqui mesmo nesta cidade vamos sobreviver. Já pensou? Mais quatro anos aqui em casa, não seria ótimo?
Eu sei que tenho que enfrentar essa coisa aí do ninho vazio. Ninho nada! O vazio aqui é do tamanho do Maracanã. Os biscoitos estão no armário, ninguém mais os come fora de hora, antes do almoço. Nem ninguém me apressa mais na cozinha dizendo que vai morrer de fome. Não tem mais meias e tênis espalhados pela casa e nem a porta do quarto fechada, aliás o quarto de filho vazio é algo que não deveria existir.
Eu quero aquele skate jogado, quero mandar guardar, mandar arrumar a mochila, mandar tomar banho, mandar ir dormir porque está tarde.
Quero aqueles tempos da primeira infância de volta, aquelas noites nas quais ele vinha para a minha cama com medo. Quero as festas de dia das mães na escola, as cartinhas, os presentes feitos por ele e aquelas mãozinhas e bracinhos esticados esperando um abraço. Quero o cheirinho daquele pezinho pequeno e o sorriso do dono dele que ria quando eu dizia “mas que chulé”.
Quero fazer bolo, brigadeiro, macarrão e todas as comidas politicamente incorretas. Quero que ele venha comigo na cozinha para me ajudar a fazer massa e modelar minhocas e bonecos de neve. Quero o cheirinho da lancheira, os pijamas infantis, as viagens e os domingos nos parques de diversão. Quero os verões na praia brincando na areia. Sim, quero aquela loucura que é ser mãe na praia, a infinita missão de passar protetor solar e ficar feito uma louca correndo atrás dele no meio da multidão porque ele foi para o mar.
Quero abrir a porta e ver que ele ainda está lá, me esperando para pedir para a gente brincar.
Deixem-me surtar em paz. Eu sei que ele cresceu e sei tudo que tenho que fazer agora para ser a mãe psicologicamente correta, mas no fundo eu queria gritar, gritar bem alto à beira deste buraco negro que está aqui na minha frente. Queria sumir, queria enfia-lo de volta na minha barriga e começar tudo de novo. Viver tudo outra vez.
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